Os vários mitos do Superman na Era Moderna dos super-heróis
Por Diego Figueira
Leia a Parte 1
Parte 2 - O Superman da Era Moderna: A nova origem (1986-1988)
Depois de Crise nas Infinitas Terras, o projeto da DC Comics para toda sua linha de revistas com o intuito de fazer de seu universo de personagens um universo coeso como era a Marvel desde seu início, na década de 60. Mais do que tornar coesa a origem do Superman depois de quase cinqüenta anos de um acúmulo descoordenado de referências, John Byrne reinventou completamente o personagem.
A nova versão do herói é apresentada na minissérie em seis edições Man of Steel, publicada no Brasil na revista Super-Homem da Editora Abril a partir do número 38.
Na primeira cena aparecem os pais biológicos do Superman em seu planeta natal, Krypton, prestes a explodir vítima de um colapso sob a crosta. Os detalhes desta nova concepção do planeta natal do herói foram definidos apenas em outra minissérie, O Mundo de Krypton, mas nestas páginas iniciais já é possível perceber, pelo diálogo entre Jor-El e Lara, que este mundo é bem diferente do paraíso futurista da versão anterior. Muito pelo contrário, este Krypton é um planeta de paisagens desérticas e ameaçadoras, com um longínquo passado de guerras devastadoras, e sua sociedade atual reflete estas mesmas características, renunciando ao contato pessoal, inclusive para reprodução, feita por técnicas artificiais e sob um rígido controle burocrático.
Com este pano de fundo para a nova origem, Byrne derrubou dicotomia entre o humano e o herói, a começar pela origem kryptoniana do Superman. Não é sua natureza genética que faz dele um herói em potencial e a própria herança de nascença do personagem se torna uma coisa muito complexa. Jor-El se distingue dos outros kryptonianos por seu interesse incomum por aquilo que chamamos de Humanidades. Também ousa se apaixonar pela mãe de seu filho, hábito esquecido numa sociedade que não possui mais contato pessoal. Esta é a virtude que lhe permitirá salvar seu filho e o principal (na verdade único) ensinamento que lhe deixará como herança.
Assim, a criança que vem à Terra já é humana antes de nascer, em sua origem, graças a seus pais. O próprio nascimento, inclusive, só se consolida na Terra, pois o feto que estava sendo gerado em uma câmara especial, viajou intacto pelo hiperespaço e só se abre quando é encontrado pelo casal Kent, de modo que este Superman mais terráqueo ainda.
Esta cena inicial ainda remete ao começo do filme para o cinema dirigido por Richard Donner em 1978, que segundo declarou o próprio Byrne em diversas entrevistas, foi uma fonte de várias idéias para sua reformulação do personagem .
A cena seguinte acontece em Pequenópolis (Smallville), quando Clark Kent já está com dezoito anos e é a estrela do time de futebol do colégio. Ele e os amigos estão prestes a se formar, decidindo seu futuro, e Clark conduz a equipe a mais uma vitória no campeonato, ainda sem o potencial pleno de seus superpoderes e sem conhecer sua verdadeira origem. No caminho de volta, Jonathan Kent demonstra sua insatisfação com o comportamento de Clark, dizendo que ele não deveria agir de forma tão egoísta, usando seus talentos para fins mesquinhos e humilhando as outras pessoas.
É o clássico tema “poder e responsabilidade” do gênero de super-heróis, que teve sua melhor expressão com o Homem-Aranha de Stan Lee e Steve Ditko, que criaram justamente a frase “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, dita pelo tio de Peter Parker. Mas, se Peter apenas passa a seguir este lema após adquirir seus superpoderes e perder o tio nas mãos de um assaltante que ele mesmo poderia ter detido hora antes, Clark tem que lidar com isso antes mesmo de saber de sua condição especial.
É como se os Kents lhe cobrassem uma educação que dissesse que a responsabilidade deve vir antes ou mesmo independentemente do poder. Esta educação é um elemento importantíssimo para definir o Superman não mais como um ser mítico e divino que salvará o planeta, mas um modelo de comportamento para toda a humanidade, que sonha (um desejo muito humano) em inspirar cada pessoa a dar o seu melhor.
No entanto, esta abordagem do Superman feita por John Byrne não é completamente nova e tem raízes em um outro período de publicações do personagem nos anos 70, criadas pelo editor Julius Schwartz, os roteiristas Denny O’Neil e Cary Bates e os desenhistas Curt Swan e Murphy Anderson. O excesso de poder do Superman havia se tornado um empecilho para se criar aventuras com o herói, que parecia inverossímil e distante dos leitores.
Na versão de Byrne, o amadurecimento de Clark é um processo mais lento do que para muitos heróis, principalmente os da Marvel, que se tornavam heróis ainda adolescentes. Clark deixa Pequenópolis depois de concluir o colegial, aos dezoito anos, faz a faculdade em Metrópolis, passa dois anos viajando pelo mundo e quando retorna a Metrópolis, passa ainda três anos agindo em segredo antes de se revelar ao mundo e adotar o disfarce de Superman, aos vinte e cinco anos. Em outra cena inspirada no filme de Richard Donner, na primeira entrevista com Lois Lane, feita no apartamento dela, o Superman revela se considerar um cidadão do mundo, estando à vontade em qualquer cidade ou país.
Quando Clark se mostra em público para salvar o ônibus espacial Constitution de cair sobre a multidão em Metrópolis, a reação das pessoas o assusta tanto que ele volta para a fazenda dos pais sem saber o que fazer dali em diante. Por isso os pais têm a idéia do disfarce de Superman, que Clark Kent usaria para poder salvar pessoas em segredo e poder preservar sua privacidade.
De forma pouco clara, Byrne diz que a roupa é justa para aproveitar uma pequena “aura” que protege a pele de Clark, de modo que a roupa não se rasgue. O mesmo não acontece com a capa, que, assim como as botas, foram acrescentadas para dar um ar icônico. O emblema com o “S” no peito e na capa foram criados por Clark e Jonathan com base no apelido dado pela repórter Lois Lane na reportagem sobre o incidente com o Constitution, sem qualquer referência a brasões ou signos de seu planeta natal.
A relação Clark Kent/ Superman é, portanto, diferente do que circulava no imaginário popular (não apenas nos leitores de quadrinhos). Para Byrne, Clark é, como todas as letras, como mostra a edição final de Man of Steel, a verdadeira identidade do herói. Tanto é assim, que a personalidade de Clark é bem mais extrovertida nesta versão e sua carreira como jornalista e romancista lhe dá tanto destaque quanto o Superman. Ele é tímido e discreto, mas ao mesmo tempo elegante (os roteiristas e os coadjuvantes reconheceram que Clark tem um físico avantajado, apesar de não dar demonstrações de força e habilidade gratuitas), teve outras namoradas em Metrópolis antes de Lois Lane e inclusive é ganhador do prêmio Pulitzer. Além disso, muitas vezes Clark Kent é capaz de salvar o dia de uma forma que o Superman não pode, exatamente como seus pais adotivos lhe ensinaram.
Byrne reduziu os superpoderes para enfatizar o “Homem” acima do “Super” (ou o alienígena ou o deus). Mas mesmo ressaltando o aspecto moral do personagem, Byrne concebeu visualmente sua versão como um herói “maior”. Ele é mais alto, tem os ombros mais largos e os músculos bem definidos. O símbolo em seu peito também é maior, ocupando quase toda longitude da camisa e tem a lateral acompanhando a linha toda do peitoral. Sua presença se torna mais forte não pelo seu poder físico, mas pela inspiração que ele causa.
Esta característica tem duas razões: primeiro, “marvelizou” o Superman, deixando mais próximo do padrão estilístico da época. Segundo, consolidou dentro das revistas do primeiro super-herói um estilo de traço que vinha sendo difundido com muito apreço da parte dos fãs por artistas como Neal Adams e John Buscema. Na década de 70, o artista espanhol José Luis García-López havia usado este tipo de traço no Superman de forma inovadora, quebrando temporariamente o padrão estabelecido por Curt Swan.
Depois que John Byrne deixou os títulos do Superman (foram 75 edições em dois anos), a continuidade das histórias do Homem de Aço ficou a cargo dos roteiristas Jerry Ordway e Roger Stern, com uma breve colaboração de George Pérez (outro grande nome como Byrne na época e desenhista de Crise nas Infinitas Terras).
Sem as controvérsias atraídas pelas mudanças de Byrne (principalmente porque a maioria dos fãs se sentiu satisfeita quando viu os resultados), esta equipe de criação manteve o padrão de histórias já estabelecido, sem grandes inovações ou ousadia.
Deste período pode-se destacar como importantes a fase do exílio do Superman no espaço, após perceber que não detinha pleno controle de seus poderes. Com estas histórias, George Pérez aprofundou as questões da origem kryptoniana do Superman, mas tendo como referência as histórias de Byrne sobre o planeta e o fato de Kal-El ser o seu último sobrevivente. Durante esta fase, o Superman enfrentou Mongul, do Mundo Bélico, que teria participação na saga do seu Retorno após a morte, e atendeu aos pedidos de mais histórias espaciais com o Homem de Aço.
Outra história, também relacionada com Krypton, é a aparição do artefato Erradicador, criado por um ancestral do Superman com o objetivo de eliminar influências alienígenas do seu planeta. Dotado de consciência, o Erradicador planejava transformar a Terra numa nova versão de Krypton e dominou a mente do Superman para que ele agisse como um kryptoniano comum. Neste período, o Superman apareceu usando roupas de seu planeta natal ao invés de seu uniforme.
Entre estas histórias, o relacionamento de Clark e Lois se desenvolveu e pouco tempo depois do Superman se livrar do Erradicador ele os dois ficam noivos. Na edição seguinte, Clark revela a Lois seu segredo.
Porém, tudo ocorria com ares de normalidade, sem provocar grandes reações no público leitor. Apenas alguns anos mais tarde o Homem de Aço teria mais um momento decisivo em sua trajetória editorial.
Continua...