Dennis O´Neil
A contribuição de Dennis O´Neil aos quadrinhos se estende ao longo de quatro décadas tanto na DC quanto na Marvel e envolve mais do que uma expressão artística muito forte, um talento para o trabalho editorial. Seja escrevendo ou editando, O´Neil sabe como poucos como traduzir as necessidades de mercado de um personagem em uma criação artística.
Graduou-se na Universidade de St. Louis em literatura inglesa, escrita criativa e filosofia. Graças a sua atuação como jornalista, sempre procurou fazer com que suas histórias parecessem eventos significativos ao invés de entretenimento. Foi com essa intenção que O´Neil produziu ao lado de Neal Adams a marcante série de aventuras do Arqueiro Verde e Lanterna Verde cruzando os EUA e confrontando questões sociais nunca antes levantados pelos quadrinhos de super-heróis.
Depois de sair da marinha, foi trabalhar para um jornal do Mississipi, durante a fase de revitalização dos super-heróis, com as revistas da Marvel e a Era de Prata da DC. O´Neil escreveu algumas colunas sobre o assunto, o que chamou a atenção de Roy Thomas, na época ainda um professor. Em pouco tempo Thomas faria sua estréia como roteirista de quadrinhos com o Superman antes de ir trabalhar para a Marvel. Lá sugeriu que O´Neil fizesse o teste para novos escritores, que consistia em criar diálogos para uma história de quatro páginas do Quarteto Fantástico. Impressionado com o resultado, Stan Lee contratou Denny.
Quando os títulos da editora se expandiram de forma que Stan Lee e Roy Thomas não podiam mais escrever todos os roteiros, O´Neil ficou fez uma breve passagem pelo título do Dr. Estranho ao lado do criador do personagem, Steve Ditko.
Com pouco trabalho na Marvel, aceitou uma oferta da Charlton Comics, feita pelo seu editor Dick Giordano. Lá permaneceu por um ano e meio até que muitos dos personagens da Charlton fossem comprados pela DC e muitos de seus criadores os seguiram, como O´Neil, Giordano, Jim Amparo, Steve Skeats e Steve Ditko (após deixar a Marvel).
Os primeiros trabalhos de O´Neil para a DC serviram a dois projetos da editora para alavancar sua linha de títulos. Primeiro, com a criação de novos personagens, O´Neil contribuiu dando-lhes o Rastejante (The Creeper). Segundo, a editora percebeu que sua estratégia de revitalização de personagens da Era de Ouro era um sucesso e O´Neil assumiu Bomba, The Jungle Boy.
Em seguida, Denny assumiu os títulos da Mulher-Maravilha e da Liga da Justiça. Em ambos o roteirista tentou modernizar os personagens principais e coadjuvantes, introduzindo questões sócio-culturais dos anos 60 nas tramas. No caso da amazona a recepção por parte dos fãs não foi das melhores, pois a imagem da heroína atuando em trajes civis e com aventuras muito exóticas não empolgava. Porém, com a Liga foi diferente; neste título O´Neil já experimentou tratar de temas que retomaria com o sucesso Lanterna Verde/ Arqueiro Verde.
O'Neil alega que ele inicialmente não tinha pretensão de chacoalhar a Liga da Justiça da América; suas mudanças vieram de sua inabilidade de usar a fórmula que Gardner Fox vinha seguindo e que parecia ter esgotado seu apelo aos leitores. Nos dois anos que O'Neil comandou o título da JLA mostrou mudanças como a perda da Mulher Maravilha (devido a desdobramentos no título dela) e sua substituição pela Canário Negro, a traição de Snapper Carr e a decisão do Caçador de Marte de prolongar sua ausência do grupo.
Seguindo o caminho trilhado por Bob Haney e Neal Adams em uma história da revista Brave and the Bold que redefiniu o visual do Arqueiro Verde para a versão que predominou entre 1969 e 1986, O'neil também fez mudanças no personagem, retirando dele sua vitalidade e, dessa forma, evitando que ele se transformasse em um Batman de segunda categoria. Essas transformações culminariam na aparição do personagem em Lanterna Verde/Arqueiro Verde, uma verdadeira história de esperteza, consciência social e tendências de esquerda que tomaram as revistas do Lanterna Verde e o usaram como um canal de divulgação dos conceitos políticos que definiriam este trabalho.
A parceria com Neal Adams se consagrou definitivamente com a passagem da dupla pelo Batman, onde definiram o que muitos consideram a concepção ideal do personagem para os quadrinhos. Resgatando o clima tenso e sombrio das histórias originais de Bob Kane, eles levaram o herói na direção oposta da imagem que o público em geral tinha, fruto da série de televisão dos anos 60.
A dupla foi responsável pelo antagonista mais cerebral do Cavaleiro das Trevas, R´as al Ghul. Se o Coringa é tratado como o oposto do Batman e representa tudo que o herói combate, R´as o enfrenta nos mesmos termos, igual para igual. Apenas a visão que os dois têm da humanidade os coloca de lados opostos.
Além disso, o imortal possui o carisma que personagens como ele, por estarem além do bem e do mal, gozam entrem os leitores. Fora isso, Talia, a filha do vilão, tem uma paixão mal resolvida com o Morcego, o que gerou situações novas para o herói que O´Neil explorou de forma intensa e dramática.
Em 1969 O´Neil ainda teve a chance de trabalhar com o Superman, com a tarefa de por a casa em ordem para a Era de Prata, concertando uma série de equívocos derivados dos acréscimos desregrados feitos ao personagem ao longo dos anos. Para o editor Julius Schwartz, os maiores problemas do Homem de Aço eram sua personalidade quase divina, que impossibilitava as tramas baseadas em conflitos pessoais, e a sua onipotência. Justamente por causa dessa total invulnerabilidade, praticamente todas as histórias pó herói até então envolviam dezenas de variedades de kryptonita ou personagens com poderes mágicos que beiravam o ridículo.
Diferentemente do tipo de questionamento ético que desenvolveu em outros heróis, O`Neil deu ao Sperman um lado mais introspectivo e reflexivo. Assim fez um herói mais maduro, antecipando a abordagem que John Byrne lhe daria quinze anos depois na sua reformulação após Crise nas Infinitas Terra. (uma discussão sobre as várias versões do Superman pode ser vista na matéria sobre Smallville)
Lanterna Verde/Arqueiro Verde não permaneceu morta. Depois de alguns anos deixada de lado, a DC tentou novamente e mais uma vez escalou O'neil para a histórias. O novato Mike Grell, que tinha recentemente retornado da guerra do Vietnã, onde era piloto, ficou a cargo da arte, um grande fardo já que tinha que contentar a legião de fãs que esperavam um retorno de Neal Adams.
Entretanto, os elementos que contribuíram para o clássico Lanterna Verde/Arqueiro Verde não se destacavam nessa versão. Os personagens foram retirados das cidades e jogados em um ambiente de ficção científica tradicional das histórias do Lanterna. "Relevância" se tornou um conceito datado e não mais se encaixava na linha editorial da DC.
Assim, passou-se às histórias urbanas retratando as patologias da mentalidade americana para aventuras onde o Arqueiro era praticamente inútil. O Arqueiro foi tirado do título e pelas mesmas razões deixou a Liga em 1980. Atualmente os leitores lembram dessa fase como um arco sem rumo que apenas serviu para lançar Mike Grell para o grande público tornado sua carreira com editoras independentes viável.
Seus trabalhos para a DC no final dos anos 80 ficaram restritos a heróis urbanos de segunda linha. O Arqueiro Verde, redefinido pelo trabalho de Mike Grell se manteve intenso mas menos preocupado com meios e fins, o que seria perfeito para o estilo de O'Neil demonstrado na sua passagem pelo Batman na virada da década de 70.
Com a aquisição pela DC dos antigos heróis da Charlton, jogaram nas mãos de O'neil a missão de redefinir o Questão, um persongem de Steve Dikto que serviu de protótipo para o Rorshchach em Watchmen e foi o passo para a criação do personagem que mais representaria a filosofia de Dikto, Mister A. Em 1989 O'neil teve a oportunidade de trabalhar em com esses três personagens em uma única aventura na linha de anuais que a DC retomou nos anos 80.
De volta a Marvel, trabalhou como escritor e editor em vários títulos, entre eles: Homem-Aranha, Demolidor e Homem de Ferro. Na revista do Homem-Sem-Medo substituiu a Frank Miller depois de sua primeira passagem e consolidou sua visão de herói urbano para o personagem.
Quando trabalhou para Marvel, O'neil teve a incumbência de desmontar o Homem de Ferro. Tony Stark tinha tudo, seu problema cardíaco a muito tinha sido deixado de lado, não sendo mais uma preocupação e com sua fortuna, a vida de playboy e aventuras entre super heróis ele se tornou extremamente superficial. Não tinha todos os sofrimentos e preocupações que os outros personagens da editora tinham. Assim O'neil dicidiu transformá-lo em um alcóolico. Em um arco de histórias que marcaria o personagem para sempre, o roterista conseguiria trazer novamente os leitores e mostrar um personagem muito mais interessante e profundo que se poderia imaginar. Depois dessa fase em 1984 ele retomaria o título em um dramático arco onde Tony teria uma recaída.
Nos anos oitenta, mais uma vez na DC, assumiu a função editorial da linha Batman, adaptando o personagem a uma nova geração de leitores. Graças a ele, o Cavaleiro das Trevas figurou diversas mega-sagas envolvendo vários títulos próprios e de outros heróis sem perder a coesão. Foi assim que ao longo de toda a década de 90 construi-se o conceito do Batman como alguém apoiado por uma série de agentes que compõem uma verdadeira família de combatentes do crime.
O trabalho de Denny O´Neil influenciou todos os autores de super-heróis que decidiram lidar com a moral e a ética dos personagens. Watchmen, Reino do Amanhã, The Authority e Poder Supremo devem muito à abordagem de O´Neil. Devido ao seu trabalho estes heróis receberam uma abordagem nova e mais humana durante a Era de Prata que contribui muito com o amadurecimento das formas narrativas da nona arte.