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Os vários mitos do Superman na Era Moderna dos super-heróis

Por Diego Figueira

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Especiais e minisséries

Com a qualidade das revistas mensais sempre oscilante entre o médio e o fraco, geralmente por causa de uma postura editorial que preferia apostar em jogadas de marketing a grandes mudanças criativas, o terreno de inovação, não só para Superman, mas para a maioria dos personagens, foi o das edições especiais e minisséries. Principalmente porque as propostas mais autorais com o personagem eram destinadas a este formato de publicação, pois além de não influenciar diretamente e a curto prazo as revistas principais, existe um nicho especial para este tipo de publicação no mercado em que tanto a editora quanto os autores são beneficiados com a publicidade exclusiva.

Foi nas minisséries que surgiram e se consolidaram os principais aspectos que definem o Superman atualmente, sempre pelas idéias de autores de vanguarda. Também por serem um corpus muito bem delimitado, se comparado com as revistas mensais, são uma ótima chave de leitura para acompanhar o desenvolvimento do herói ao longo dos tempos.

Super-Homem: As Quatro Estações

Pouco antes de se tornar roteirista da revista mensal do Superman, Jeph Loeb escreveu esta minissérie em quatro edições em parceria com o desenhista Tim Sale. A trama mostrava o primeiro ano de atuação de Clark como Superman em Metrópolis narrado por diversos personagens coadjuvantes, Jonathan Kent, Lois Lane, Lex Luthor e Lana Lang. Um Superman jovem e ainda mais ingênuo começa a tomar o lugar de Luthor como o Homem do Amanhã e cidadão preferido do povo de Metrópolis, causando uma reação perversa do seu adversário, que tenta quebrar o espírito de um Homem de Aço. Luthor consegue abalar o herói no seu verdadeiro ponto fraco, seus sentimentos. Assim, sentindo-se derrotado, incapaz de ajudar os outros como gostaria, Clark volta para Smallville para repensar sua vida. Neste momento de crise, ele redescobre o que é ser herói e porque tem que fazer isso com ajuda de seus pais e de Lana Lang.

De uma maneira bastante emotiva e sensível, esta história é uma das primeiras a combinar a personalidade humana e, até certo ponto, infantil do Superman com sua figura poderosa. Sem contradizer nada do que havia sido definido por Byrne, Loeb abriu as portas para uma nova concepção do personagem que não era apenas uma retomada da versão da Era de Prata (embora seu trabalho nos títulos mensais não tenham passado disso na maioria das vezes). Trabalhando os medos do Superman, Loeb deu o tipo de verossimilhança que os fãs e a crítica sempre pediram e deixou o personagem mais interessante.

Ao invés de opor à figura do herói invencível um adulto medíocre e impotente diante de tudo, Loeb pôs uma criança enorme, com um coração de ouro e cheio de boas intenções. Mais do que nunca, a força do Superman está ligada àqueles que o cercam e lhe dão um lugar seguro, onde pode ser ele mesmo. Quando fez sua versão do Homem de Aço, John Byrne abandonou a Fortaleza da Solidão e transformou este nome numa metáfora para o próprio Clark, na primeira edição de Man of Steel. Mesmo que o esconderijo do herói tenha sido recriado anos depois da saída de Byrne do título, esta metáfora ainda é váldia e encontrou sua melhor expressão em As Quatro Estações, com o texto de Loeb e a arte fantástica de Tim Sale e do colorista Bjarne Hansen.

Reino do Amanhã

Apenas o fato de ser a maior aventura com super-heróis dos anos 90 seria suficiente para justificar a importância de Reino do Amanhã para os quadrinhos num período relativamente pobre. Mas esta história representa muito mais do que isso. Tratando com profundidade do dilema entre super-heróis clássicos e modernos, a obra constrói uma alegoria sobre o real sentido do heroísmo para a humanidade e, ao mesmo tempo, é uma crítica à indústria de quadrinhos da década passada. O futuro sombrio e desolador tem a aparência dos produtos da Image Comics.

Mark Waid, que muitas vezes declarou que prefere ver o Superman retratado com uma ênfase maior no aspecto "super" do que no "humano", desta vez definiu como o maior poder do Homem de Aço seu conhecimento instintivo do certo e do errado. Segundo Norman McCay, este dom seria uma dádiva da humanidade de Clark.

Reino do Amanhã consolidou o gênero dos quadrinhos retrô nos anos 90, associando definitivamente o nome de Ross a esse seguimento. Antes, Marvels não havia conseguido este feito, pois ainda parecia uma simples celebração do passado da "Casa das Idéias". A parceria entre Waid e Ross mostrou que as referências à cronologia e ao tom das histórias da Era de Prata poderiam se transformar num novo jeito de se pensar os quadrinhos de super-heróis, projetando estes elementos para qualquer situação, no presente ou mesmo no futuro.

Liga da Justiça: O Prego

Uma história da linha Elseworlds (no Brasil, Túnel do Tempo), que trabalha realiades alternativas e releituras de personagens em contextos e situações diferentes do que é mostrada nas revistas normais. Nesta história, o roteirisa e desenhista inglês Alan Davis imagina como seria o mundo sem o Superman, uma vez que por causa de um pneu furado, os Kent não saíram na noite que deveriam encontrar o bebê Kal-El e isso mudou totalmente o desenrolar dos acontecimentos. A história tem como mote um poema de George Elliot, intitulado justamente "O Prego":

"Por falta de um prego, perdeu-se uma ferradura.

Por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo.

Por falta de um cavalo, perdeu-se um cavaleiro.

Por falta de um cavaleiro, perdeu-se uma batalha.

E assim um reino foi perdido.

Tudo por falta de um prego."

Uma das mais inventivas histórias da Liga da Justiça, que serve para engrandecer o mito do Superman como referência de heroísmo para todo Universo DC. Sem sua influência, todos os heróis se tornaram um pouco mais sombrios e menos confiantes,a té que a opinião pública se voltou facilmente contra eles. Falta à maioria dos membros da Liga Justiça (menos a Barry Allen, o Flash) um pouco mais de humildade e consideração pela população. A Mulher-Maravilha é uma princesa amazona de uma sociedade escondida do mundo mortal, Aquaman é o monarca da Atlântida, o Lanterna Verde é um oficial de uma força policial espacial, o Caçador de Marte , um alienígena. Batman, por sua vez, não se importa com sua imagem pública e volta sua atenção exclusivamente a criminosos que precisam ser presos. Todos estão distantes demais da humanidade e na maioria das vezes se deixam tomar por um tipo de hubris que os leva a cometer atos pouco heróicos.

Realçando a concepção de John Byrne para o Homem de Aço, que valoriza mais o "homem" que o "super", Davis pôde, enfim, restabelecer os poderes do herói, reduzidos em sua reformulação pós-Crise. Assim, o personagem se consolida como o mais poderoso herói da DC, mas sem perder sua humanidade e seu maior poder: a ética herdada dos Kent.

Superman: Entre a Foice e o Martelo

Neste outro Elseworl, vemos um exercício de criação do roteirista Mark Millar, um dos mais conceituados da geração que começou a escrever na virada do século XXI. Aqui vemos o que aconteceria se a nave que trouxe o Superman à Terra tivesse caído na União Soviética ao invés dos EUA. O período escolhido para esse evento é 1938, ano em que o Superman surgiu nos quadrinhos e em que a União Soviética era governada por Stalin.

Criado numa cultura comunista, o Superman se torna o braço direito de Stalin, agindo em nome do estado, ainda que com o mesmo senso de dever que move o personagem em sua versão norte-americana. Ao longo das décadas, este herói soviético trava uma verdadeira guerra fria contra o gênio cientìfico de Lex Luthor, enquanto a União Soviética e o comunismo se torna o modelo mundial de desenvolvimento e os EUA ficam atrasados e na miséria quase total.

Como em outras histórias, aqui os poderes do Supeman estão em seu nível máximo enquanto ele se questiona sobre os efeitos de sua influência sobre a humanidade. No final, diante da ameaça do andróide alienígnea Brainiac, o Superman se aparentemente sacrifica deixando para Luthor os louros da vitória, depois de ambos atuarem em conjunto. No entanto, o herói sobrevive, por milênios inclusive, para testemunhar em segredo o caminhar da humanidade sem sua ajuda, em sinal do triunfo do "homem" sobre o "super", mais uma vez.

Tal temática, contudo, não é inédita. Uma história de janeiro de 1972 (nos EUA) intitulada "Deve existir um Super-Homem?", escrita por Elliot S! Maggin e desenhada por Curt Swan e Murphy Anderson questiona se o herói não estaria interferindo no desenvolvimento social da humanidade. Na trama, o Superman encontra-se no espaçol, enfrentando a ameaça de uma gigantesca esfera, cheia de germes que atacariam a Terra e outros planetas. O problema é resolvido, mas o herói acaba inconsciente, vítima de um sol vermelho, e é levado ao planeta Oa, sede dos Guardiões do Universo, criadores da força policial interplanetária do Universo DC, a Tropa dos Lanternas Verdes, eram responsáveis pela harmonia cósmica e visavam a incutir no Superman a idéia de que suas ações seriam nocivas à evolução social do próprio planeta que ele se dedicava a proteger. Esta história também serviu de referência para o artigo escrito por Lois Lane no filme Superman, O Retorno.

De volta à Terra, o Homem do Amanhã intervêm num conflito numa comunidade rural na Califórnia, ciente de que, efetivamente, poderia estar bancando o papel de Grande Irmão da humanidade, da figura paterna superprotetora. O Superman sabe, então, que deve deixar o povo superar suas próprias dificuldades. Identifica-se, contudo, com a história de um garoto mexicano, enviado aos Estados Unidos pela chance de uma vida melhor, e têm-se vislumbres de seu ideal como Messias. Quando o local é atingido por um terremoto, o herói entra em ação e reconstrói as casas afetadas, mas não pode deixar que dependam dele para tarefas que são capazes de resolver. Seu desejo básico sempre foi ajudar pessoas e melhorar o mundo; e a partir daquele momento, o dilema estava traçado. Maggin entendia o Super-Homem como uma força universal divina, voltada sempre para o bem. Seu maior oponente não seria Lex Luthor, mas a própria maldade, encarnada numa forma demoníaca.

Superman: Identidade Secreta

Uma história inusitada e inventiva, considerada (ao lado de As Quatro Estações) a maior declaração de amor ao Superman dos últimos anos, com roteiro de Kurt Busiek e belíssimos desenhos realistas de Stuart Immonen. Setembro de 1990. Picketsville, Kansas. Empolgados com o nascimento de seu filho, Dave e Laura Kent decidem que seria bom o bebê ter um nome famoso. Assim nasce o Clark Kent da vida real. O garoto cresce como alguém comum, que passa pelas mesmas situações que todos nós, mas que precisa lidar com elas numa outra escala. Ele simplesmente descobre que tem os poderes de seu xará famoso; e os usa da maneira que acha correta, mesmo que fazendo isso se exponha aos olhares curiosos. Em cada edição desta minissérie (são quatro), damos um salto no tempo e vemos como este garoto cresce e observa o mundo mudando ao seu redor como herói e como homem de família.

Pelo que se ouvia e lia enquanto a revista não chegava ao Brasil, todos esperavam uma versão refinada daquela identificação romântica com o personagem que os fãs experimentaram quando Smallville era novidade. Contudo, não é isso que Busiek se propõe a fazer logo de cara nesta primeira parte. O Clark Kent do "mundo real" não é um fã do Superman que compartilha estes sentimentos do leitor. Muito pelo contrário, seu nome é um fardo do qual é impossível se livrar.

Já adulto, Clark atua como Superman em Manhattan enquanto, ironicamente, expõe seu ponto de vista peculiar sobre a humanidade nos artigos que escreve para uma grande revista. O olhar do roteirista vai a uma dimensão maior, além das metáforas da juventude e da descoberta do mundo. Maravilhado com suas capacidades e com um olhar único da humanidade, Clark se tornou muito mais próximo de seu homônimo do que era no colegial. Tanto que é possível se flagrar confundindo os dois no meio da leitura. Seus sentimentos com relação à sua vida dupla, às pessoas próximas a ele e à humanidade em geral são imbuídos de uma ética que valoriza o aspecto do "Homem" tanto quanto o "Super", equilibrando com perfeição os dois extremos desta relação.

Liga da Justiça e Vingadores

Um momento histórico dos quadrinhos, aguardado por quase vinte anos, o encontro das duas maiores equipes de super-heróis das duas maiores editoras do ramo foi um evento gigantesco e também ajudou a consolidar alguns conceitos a respeito dos heróis clássicos da DC, especialmente o Superman. A trama do roteirista Kurt Busiek e do desenhista George Pérez estabeleceu definitivamente em termos estéticos a distinção entre os super-heróis da DC, criados na Era de Ouro (década de 40) e de Prata (segunda metade da década de 50), e os da Marvel, criados na década de 60. Os personagens da DC sempre foram associados a uma época mais inocente e simplista, com heróis "perfeitos", enquanto os heróis modernos da Marvel carregavam o adjetivo de serem mais "humanos" e gozarem de uma empatia com os leitores, seres humanos comuns, com defeitos e dificuldades para enfrentar.

 

Mais do que esta distinção de comportamento, isso teve um reflexo nas características físicas dos personagens e no entrosamento das duas equipes. A exemplo do acontecia com o Superman, todos os heróis da DC eram muito mais poderosos que os da Marvel e juntos formavam uma equipe que agia em perfeita sincronia, praticamente invencível. Assim, heróis destes dois momentos muito diferentes da história das histórias em quadrinhos, ganharam características próprias bem marcadas, derrubando um preconceito que havia, apoiado justamente neste conceito vago de "humanidade" dos personagens.

 

Continua

   
 
 
 
 
 
 



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