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A Ilha de Lost

Quando Lost começou em 2004 era difícil imaginar que seria esse fenômeno que acompanhamos hoje. A história era aparentemente bem normal: um grupo de sobreviventes de uma queda de um avião aguardando resgate em uma ilha supostamente deserta. A grande inovação narrativa era o uso criativo de flashbacks para construir aos poucos a história e a personalidade dos personagens.

Lost chegou até a ser motivo de piada em séries como Will & Grace que citavam de forma irônica o interesse pela série. Mas aos poucos a história foi se ampliando, ganhando corpo e com uma mistura de ficção e surrealidade prendeu a atenção dos fãs, que logo se tornaram tão obcecados pelos mistérios da ilha quanto os personagens.

Logo esses fãs criaram um substancioso efeito de convergência cultural com sites e fóruns para discutir teorias e trocar informações sobre Lost. Esse diálogo foi também incentivado por roteiristas e criadores que muitas vezes interagiam on-line com os fãs.

Essa interação levou à criação, inclusive com colaboração dos próprios roteiristas da série, de vários ARG´s (alternative reality game – jogo em realidade alternativa) em que os fãs poderiam viver personagens novos na ilha, explorar seus mistérios e expandir o cenário.

E esse é justamente o ponto que queríamos chegar: a ilha, o grande cenário de Lost.

Com o passar das temporadas vemos que o grande segredo do sucesso de Lost está além dos personagens cativantes construídos durantes as primeiras temporadas. O grande acerto no roteiro da série é a construção de um cenário ao mesmo tempo complexo e compacto.

A ilha de Lost é repleta de segredos que se formaram no decorrer de sua história: a destruição da estátua de quatro dedos, o navio Blackrock preso no meio da ilha, o avião, a torre de rádio, as escotilhas da Iniciativa Dharma, o Templo, entre outros detalhes. Ao mesmo tempo ela ainda é uma ilha, ou seja sua extensão e seus segredos não são infinitos.

Assim, a grande viagem na série não é sobre os personagens, sobre suas vidas ou mesmo a ligação com a ilha, a grande viagem é o descobrimento desse cenário. Como foi dito por um dos personagens mais misteriosos da trama, Jacob, as pessoas que chegam na ilha causam destruição, mas depois trazem o progresso. Essas mudanças, eles elementos deixados, esses “pedaços de histórias” jogados por todo canto formam esse cenário que tanto o expectador quando os residentes atuais da ilha têm que explorar.

Essa noção de cenário é bem sedimentada na quinta temporada quando os personagens (ou a ilha) começam a viajar no tempo. Em poucos episódios, de forma aleatória são ampliados os conhecimentos que temos sobre os vários elementos perdidos por esse cenário. Começa a se formar na nossa mente uma linha de tempo, uma ordem para os mistérios e conforme descobrimos mais sobre o passado da ilha entendemos melhor sua situação atual.

Observando a história por esse foco vemos que Lost se assemelha muito a um RPG sendo jogado diante dos nossos olhos. O mestre (roteiristas) cria um cenário isolado que restringe as movimentações dos personagens; o participantes escolhem seus personagens, que podem ser o mais diversificado possível; um evento une todos eles em um grupo inusitado, mas, de certa forma, funcional.

A partir disso o jogo começa com as buscas de forma intuitiva, pequenas explorações, pequenos descobrimentos; surgem os primeiros mistérios em tramas com grupos menores de personagens – o avião caído, a escotilha, a francesa misteriosa Danielle; mostra-se abertura para entrada de novos personagens, trabalhando com eles em uma história rápida e paralela com os perdidos que caíram na parte com a cauda do avião; os grupos se juntam; um inimigo começa a tomar forma; uma parte do grupo consegue sair do cenário, mas de uma forma ou outra são forçado a voltar, pois o jogo continua na ilha. E quando os personagens se rebelam e descobrem um jeito de alterar a história não é o fim e sim um começo de uma expansão.

Observando essa respectiva simplista qualquer um que já jogou RPG notaria que trama tem a evolução de muitos bons jogos de que participou. E isso torna tudo tão envolvente. Esse clima de aventura, misturado com uma exploração que você, apesar de não ser personagem (pelo menos não no seriado em si), é convidado a participar. Como em um jogo, o jogador não tem as características do seu personagem, mas a intuição, o esforço de juntar as pistas, de compreender o que está acontecendo é do jogador/expectador. Independente da força, do charme, das perícias do personagem, quem tem que juntar os elementos é a nossa mente. E é exatamente isso que acontece assistindo Lost.

Se você até agora não conseguiu entender porque Lost é tão cultuado basta resumir assim: existe um grande quebra-cabeças (a ilha) que você tem que montar. As peças são mostradas aos poucos, mas nunca subestimando a inteligência do expectador. Os personagens que te acompanham nessa descoberta são extremamente carismáticos. E, como acontece na trama, existe algo na ilha – misterioso, cientifico ou mágico – que, uma vez que você entra nela, não consegue mais sair.

Veja também: Lostpedia (em inglês)

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