Às vezes ficamos impressionados quando professores dizem que os jovens não lêem, principalmente porque os educadores têm uma grande parcela de culpa nisso. Pouco se estimula a leitura depois que a criança foi alfabetizada e essa situação se arrasta até o colegial, onde sem mais nem menos, querem enfiar clássicos da literatura dentro da cabeça do jovem.
Chega um momento em que essa estrutura viciada dificulta a formação de leitores por um simples motivo: desvinculam dessa atividade o que deveria ser sua principal finalidade, dar prazer. A leitura tem que ser uma atividade relaxante, gostosa, que a pessoa busque para passar algumas horas, da mesma forma que busca um filme ou uma música. Mas, no final, atrelamos a leitura a uma obrigação de acúmulo de cultura e somente afastamos mais o jovem do livro.
Para promover essa aproximação uma boa sugestão é Alta Fidelidade, de Nick Hornby. Esse é um livro ideal para um aluno do colegial relaxar entre um clássico e outro e mais, é um livro para o jovem adulto confuso, buscando seu papel na sociedade.
Alta Fidelidade é o primeiro romance do escritor inglês Hornby; seu livro anterior, Febre de Bola, é uma auto-biografia, também muito interessante, onde o autor repensa sua vida relembrando os jogos de futebol que assistiu e dissecando sua obsessão pelo time Arsenal. Em Alta Fidelidade ele retoma o tema da obsessão e o leva para um outro nível.
Rob, o personagem principal dessa trama, é o que se pode ser chamado de “apreciador profissional”. Ele é apaixonado por música e julga entender tudo sobre o assunto. Mais do que isso, a vida de Rob é marcada por uma série de relações entre os fatos que lhe aconteceram e a música que está invariavelmente associada a cada um destes fatos.
Muitas vezes este tipo chega a ser arrogante, achando que possui algum de conhecimento que os outros deveriam ter e não têm. Suas opiniões são sempre corretas, sabendo distinguir perfeitamente o que é uma boa música ou não, pelo menos na cabeça dele . Nesse ponto, qualquer semelhança com leitores de quadrinhos, fãs de Star Wars e seriados de televisão não é mera coincidência. Pois no fundo, tudo isso é uma forma de obsessão.
Um caso crítico, Rob ordena é capaz de contar sua vida através de listas de 5 Mais, as mesmas que as revistas especializadas em música publicam todos os meses e os fanáticos adoram discutir. Na passagem que talvez seja a mais impressionante do livro, após se abandonado pela namorada Laura, Rob se vê obrigado a reorganizar sua enorme coleção de discos. Porém desta vez parte para algo novo e espantoso. Ao invés de por tudo em ordem alfabética, cronológica ou por estilo, organiza tudo por ordem autobiográfica! Ele justifica essa ordem dizendo que se alguém quizer achar um disco terá que conhecer toda a vida dele.
Os efeitos da cultura pop sobre as pessoas dão uma dimensão tragicômica à idéia de que somos influenciados pelo que nos rodeia. São milhares de vozes enchendo os ares por onde passamos e dizendo com nos sentimos e como deveríamos estar. Para Rob, cada é relacionamento trás um dilema que certamente seria resolvido numa música em três minutos e isso é ao mesmo tempo reconfortante e assustador.
Mas engana-se quem arrisca comparar a obra de Hornby à “onda trash” que cultua todo tipo de lembranças do passado de forma caricata e toma espaço na mídia nos últimos anos. O comportamento obsessivo de Rob não se aplica somente a artigos da cultura pop, mas também a todo tipo de racionamento pois toda moral de Rob foi moldada pelo discurso presente em canções, filmes, programas de televisão.
Hornby tira da cabeça de Rob uma série de reflexões sobre a vida baseada nos conselhos e histórias que as canções contam e acerta em cheio ao buscar os temas surgidos com a última geração de casais. Por exemplo, Rob declara não ter tido a educação sexual de que realmente precisava, pois seu pai nunca teve que se preocupar se agradaria a esposa pois ela nunca teve outro homem para comparar.
O tempo todo o personagem se pega lidando com a rejeição e a incapacidade de lidar com o momento presente. De forma bem shakespeareana o personagem se questiona: “Eu ouvia música pop porque era infeliz, ou era infeliz porque ouvia música pop?”
Talvez Rob seja um dos primeiros exemplos do “anti-herói comum” da última década do século XX, depois de beats, hyppies, punks, yupies e tudo mais. Ele mesmo se define como um peso médio entre as outras pessoas, uma soma de mediocridade e lugares comuns que no geral é bem agradável. Mas como ele mesmo ressalta, uma combinação tão bem equilibrada não é fácil de se achar.
Ao seu lado estão dois fanáticos por música que trabalham em sua loja de discos, mas que diferentemente de Rob não se sentem incomodados por se distanciarem das pessoas “normais”. Para fechar o elenco principal temos ainda Laura, a namorada de Rob. Laura passa um momento de crise no transcorrer da história, pois gosta de Rob mas não aceita o fato dele se negar a agir como adulto responsável. Hornby disse em um de seus textos no livro 31 Canções que escrever uma história fantástica com elfos, magos e dragões e torná-la interessante é relativamente fácil. O grande desafio está em pegar pessoas comuns com suas manias, defeitos e desacertos, vivendo um cotidiano quase que invariável em uma cidade onde nada de mais acontece e, ainda assim, extrair disso uma boa história.
(Esse texto é parte integrante da nossa série A Revolução Pop Escolar: Propostas para uma Nova Biblioteca)