AKIRA – 20 ANOS
Por (*)
Obra cinematográfica que revolucionou o conceito de animação japonesa no mundo ganha edição comemorativa de 20 anos em DVD.
Duas décadas depois de mudar o conceito que o mundo tinha sobre a animação japonesa, Akira, o cultuado longa-metragem para cinema da série de mangá homônima criada por Katsuhiro Otomo, enfim ganha sua versão digital no mercado nacional de vídeo. O lançamento é da Focus Filmes, que desde o semestre passado, já antecipava planos de lançar a famosa produção no Brasil, que chegou às lojas no mês passado em duas versões: uma básica, e uma edição de colecionador, com direito a brindes e extras.
A versão simples traz o longa em formato widescreen remasterizado digitalmente, com a dublagem em português original de cinema, com alguns poucos extras, pelo preço de R$ 29,90. Já a versão de colecionador, chamada de AKIRA – EDIÇÃO DE 20 ANOS, vem em uma bela lata personalizada, trazendo não só o disco da versão simples, mas também um disco com o longa em seu formato original full screen, e com quase duas horas de extras sobre a produção, com as mesmas opções de áudio da versão simples. Além disso, vem junto um pôster do filme, cards exclusivos, e uma camiseta personalizada, que deve fazer a alegria dos colecionadores e fãs da produção.
O preço desta edição especial é R$ 59,90, mas que vale a pena. Entre os diversos extras presentes no disco da versão full screen, temos uma entrevista com Katsuhiro Otomo, com os restauradores que fizeram a transposição da obra para alta definição digital, matéria sobre a mixagem do áudio inglês 5.1 com os efeitos sonoros originais, além de uma matéria completa sobre a produção do longa-metragem e sua trilha sonora. Tudo com opção de legendas em português. Um excelente trabalho da Focus, que faz juz à fama da obra de Katsuhiro Otomo. As vendas superaram as expectativas, a ponto de a Focus ter precisado mandar fazer uma nova prensagem do lançamento, que esgotou em diversas lojas do país.
A trama do longa se desenvolve sobre um personagem misterioso conhecido como Akira, que no ano de 1988, desencadeou uma explosão que arrasou por completo a cidade de Tóquio. Esta destruição originou a III Guerra Mundial, e durante alguns anos, o mundo viveu no caos. Pulando em seguida para o ano distante de 2019, conhecemos Neo-Tóquio, uma metrópole futurista construída no lugar da cidade original. Nesta cidade do futuro, Shotaro Kaneda lidera uma gangue de motociclistas que desafia rivais em luta pelas ruas da cidade. Um dos membros da gangue de Kaneda, Shima Tetsuo, após sofrer um encontro com uma pessoa dotada de poderes paranormais, é levado por agentes do governo pela sua participação no acidente. Na busca para salvá-lo, Kaneda descobre que o governo vem desenvolvendo um projeto para utilizar pessoas com poderes paranormais como armas de combate. Akira teria sido uma destas armas, mas seu poder fugiu ao controle, tendo resultado na violenta explosão que aniquilou a antiga Tóquio em 1988. Quando reencontra Tetsuo, Kaneda vê que seu amigo já não é mais o mesmo. Vítima de experimentos por parte dos agentes governamentais, Tetsuo passa a desenvolver poderes similares aos de Akira, e ele e Kaneda, de amigos, passam a ser inimigos. Tentando trazer Tetsuo de volta, Kaneda se une a um grupo antigoverno, e tem início um confronto de grandes proporções, com a possibilidade de se repetir a destruição que devastou a velha Tóquio novamente.
Tendo como base a exploração de pessoas com poderes paranormais, Akira vai fundo nos problemas políticos e sociais das pessoas, bem como nos dilemas de seus personagens. A Neo-Tóquio do futuro mostra uma juventude alienada, governos corruptos, e corporações que não hesitam em usar sua posição para atender a seus próprios interesses na busca incessante de poder. Os personagens envolvidos tem seus dilemas, problemas e imperfeições, e reagem à sua maneira à forma como são envolvidos pelos acontecimentos e ao destino que lhes é reservado. Sem falar que, após causar um holocausto, criando uma grande devastação, os homens continuam trilhando o mesmo caminho perigoso que levou a esta tragédia, mostrando que a humanidade, mais do que nunca, em virtude de seus vícios e defeitos, está sempre propensa a repetir seus maiores erros. E que os valores morais são bem frágeis quando o homem escraviza seus próprios semelhantes, ao impingirem um sofrimento desigual a pessoas que, desafortunadamente, são tratadas como meros objetos para determinados fins, mesmo quando isso se mostra perigoso.
Lançado nos cinemas japoneses em 18 de julho de 1988, não demorou para Akira ganhar os cinemas do mundo inteiro, e arrebentar nas bilheterias como nenhuma produção nipônica havia feito até então. Não apenas pela história apresentada, mas também pela técnica empregada na sua produção, Akira tornou-se um marco na produção nipônica de animação, levando os animes a novos patamares depois disso. O grau de realismo empregado na arte é surpreendente, mesmo com o estilo de desenho que o caracteriza como uma produção nipônica. E, claro, o grau de violência presente em algumas cenas são tão contundentes que chocam os mais desavisados.
Pela primeira vez na animação japonesa, foi utilizado o recurso do prescoring, até então presente apenas nas produções de longas animados da Disney, que consiste em gravar todas as falas antes de se produzir a animação. Apesar de mais caro e demorado, este recurso permite que a animação da boca dos personagens apresente um grau de fidelidade realística muito maior, e Akira ficou impecável neste quesito, com uma fluência impressionante. Akira também surpreendeu na época pelo seu orçamento de produção: US$ 10 milhões, um assombro para a época, por se tratar de uma produção animada para cinema, o que exigiu a união de diversas companhias para viabilizar os custos exigidos pelo projeto. Mas o alto valor investido valeu a pena, e Akira conquistou o mundo.
A qualidade técnica da arte das pranchetas (mais de 160 mil no total), e a alto nível da animação ainda hoje superam muitas produções atuais, mostrando que os 20 anos de seu lançamento não envelheceram o longa-metragem. Efeitos em computação gráfica também foram utilizados, bem como o recurso de synclavier, que permite a edição de efeitos sonoros por uma única mesa de controle, garantindo maior precisão da mixagem sonora, entre outras vantagens.
O MANGÁ
Akira surgiu em 1982, tendo estreado nas páginas da revista Young Magazine. Mostrando uma Tóquio futurista, em um estilo cyberpunk com doses certas de ares apocalípticos, crítica e drama social, Akira fez a fama de Katsuhiro Otomo, que até então tinha publicado poucos trabalhos de pouca expressão. Em 1984, a série ganhou o Kodansha Manga Award como melhor mangá seriado e na segunda metade da década ganharia uma animação para os cinemas.
Com o desenvolvimento da produção do longa-metragem para cinema, Otomo suspendeu a publicação do mangá, para dedicar-se em tempo integral às funções de diretor da aventura cinematográfica, que demandou mais de um ano para ser produzida. A série só foi retomada após o lançamento de Akira nos cinemas, tendo sido concluída em 1990, com um total de 6 volumes encadernados, que foram publicados pela editora Kodansha. A história do mangá, aliás, difere da mostrada no longa-metragem em diversos aspectos, uma vez que seria praticamente impossível condensar todos os acontecimentos em apenas duas horas de filme, para não mencionar que, na época, o mangá ainda estava sendo publicado.
O sucesso do longa-metragem proporcionou a Akira chegar ao mercado ocidental de quadrinhos, tendo sido publicado em inúmeros países. A editora americana Marvel Comics, através de seu selo Epic Comics, lançou uma versão colorizada por computador dos quadrinhos originais de Otomo, ainda em 1988, que conquistou os leitores americanos, abrindo espaço em definitivo para os mangás no mercado americano, dominado até então pelos comics de super-heróis da Marvel e DC Comics. Assim como a publicação original japonesa, esta edição americana também foi temporariamente suspensa quando a publicação alcançou o original japonês, e posteriormente retomado pela Marvel, que ressuscitou seu selo Epic algum tempo depois apenas para concluir a obra de Otomo.
Recentemente, a obra de Otomo foi republicada nos Estados Unidos pela editora Dark Horse, de 2000 a 2002, com uma nova tradução para o inglês e no formato original japonês, que mereceu diversos elogios por parte dos críticos e público leitor.
AKIRA NO BRASIL
Lançado nos cinemas brasileiros em 1989, Akira também fez muito sucesso por aqui, a ponto de o mangá ser lançado pela Editora Globo, que trouxe aos leitores a versão colorizada por computador produzida pela Marvel Comics. A série saiu em edições mensais de cerca de 68 páginas, no formato americano, que para os mais puristas, desfigurou a obra máxima de Otomo, enquanto outros se encantaram com a qualidade da publicação, em especial pela colorização.
Como aconteceu nos Estados Unidos, a editora nacional precisou suspender a publicação do mangá, quando o material disponível acabou. Foi preciso esperar a Marvel publicar o restante do material, após Otomo retomar a série, para que a Globo publicasse o restante da saga por aqui, o que os leitores nacionais consideraram como uma vitória, pois muitos esperavam que a editora nacional simplesmente deixaria os leitores na mão, em virtude do histórico da Editora Globo na época, quando cancelou vários de seus títulos de quadrinhos para nunca mais publicá-los novamente. Apesar das críticas dos puristas, estas edições nacionais de Akira são muito disputadas nos sebos, sendo difíceis de se encontrar.
O longa-metragem foi lançado no mercado de vídeo, em VHS, nas versões dublada e legendada, tendo também excelente aceitação. Akira também foi exibido na TV Bandeirantes, que o reprisou inúmeras vezes na década passada. Nos últimos anos, Akira foi exibido algumas vezes na TV por assinatura, no canal pago Locomotion. E os leitores nacionais tiveram a oportunidade de rever os quadrinhos de Akira em boas edições publicadas pela editora Meribérica, de Portugal, que chegaram às lojas especializadas de quadrinhos, agora numa versão mais próxima do original, no formato próximo do tankhon, e com a arte tradicional em preto-e-branco.
Com a onda atual de lançamentos de quadrinhos nipônicos no mercado nacional, os fãs anseiam pela republicação de Akira no Brasil, em seu formato original. Não é difícil imaginar que, na comemoração dos 20 anos do longa-metragem, isso possa acontecer, e seria um grande lançamento, sem sombra de dúvida. Até o momento, contudo, a série ainda não está, pelo menos oficialmente, divulgada nos planos de nenhuma editora nacional. Mas, quem sabe que surpresas o futuro pode reservar?
FICHA TÉCNICA
Estúdio: Tokyo Movie Shinsha
Distribuição: Toho
Diretor: Katsuhiro Otomo
Roteiro: Izo Hashimoto e Katsuhiro Otomo
Obra Original (Mangá): Katsuhiro Otomo
Diretor de Arte: Toshiharu Mizutani
Diretor de Animação: Hiroaki Sato e Yoshio Takeuchi
Diretor de Supervisão: Katsuhiro Otomo
Diretor de Fotografia: Katsuji Misawa
Produtor Executivo: Sawako Noma e Shigeru Watanabe
Produtor: Ryohei Suzuki e Shunzo Kato
Assistente de Animador-Chefe: Koji Morimoto
Produtor Associado: Yoshimasa Mizuo
Chefe de Animação: Takashi Nakamura
Cinematografia: Katsuji Misawa
Consultor de Som Estéreo: Mikio Mory
Edição: Takeshi Seyama
Supervisão de Pintura e Arte-final: Atsushi Fujitsuka
Layout: Kiyomi Tanaka e Takashi Watabe
Diretor de Música: Takafumi Muraki
Editor de Música: Hiruhiko Ono
Produtor Musical: Hiroyuki Iwata
Engenheiro de Gravação Musical: Kei-ichoro Yoshioka
Supervisão Musical: Hideaki Suda
Música Original: Shoji Yamashiro
Coordenação de Produção: Ken Tsunoda
Design de Produção: Koji Ono, Kuzuo Ebisawa, e Yuji Ikehata
Gerenciamento de produção: Takahisa Yokomizo, Yoichi Ikeda, e Yokinori Sakai
Som: Heizo Yoda, Hideo Takada, Keiichiro Yoshioka, Keiji Muraki, e Shiro Sasaki
Arquiteto de Som: Keishi Urata (EMU), e Shoji Yamashiro
Efeitos Sonoros: Toyo Onkyo
Supervisão de Efeitos Sonoros: Shizuo Karahashi
Arquiteto de Gravação Sonora: Keiji Urata
Diretor de Gravação de Som: Susumu Akitagawa
Produtor de Gravação de Som: Tokuyu Shimoda
Gerenciamento de Produção de Gravação de Som: Kozo Ogata
Artista de Efeitos Especiais: Takashi Maekawa
Efeitos Especiais de Fundo: Noriko Takaya
Engenheiro de Supervisão de Regravação: Tetsuo Segawa
DUBLAGEM – ORIGINAL JAPONESA
Kei: Mami Koyama
Shotaro Kaneda: Mitsuo Iwata
Tetsuo Shima: Nozomu Sasaki
Masaru: Kazuhiro Kando
Yamagata: Masaaki Ohkura
Doutor Onishi: Mizuho Suzuki
Kiyoko: Sachie Ito
Kai: Takeshi Kusao
Coronel Shikishima: Taro Ishida
Takashi: Tatsuhiko Nakamura
Ryuusaku: Tessho Genda
Kaori: Yuriko Fuchizaki
Nezu: Hiroshi Ohtake
CURIOSIDADES
- Nos Estados Unidos, Akira teve dublagens diferentes, de quando foi lançado pela primeira vez, em 1989, pela Streamline Pictures; e no lançamento da versão em DVD, em 2001, pela Pioneer. Nenhum dos dubladores que trabalhou numa versão esteve presente na outra. A dublagem utilizada pela Streamline, aliás, não foi criada pela companhia americana, mas comprada por ela, pois havia sido produzida para a exibição do longa japonês em língua inglesa em Hong Kong.
- Johnny Young Bosh, ator que interpretou Adam Park na série Power Rangers, como o segundo Ranger Negro, fez a voz de Kaneda na versão em DVD da Pioneer. Entre seus outros trabalhos na dublagem em inglês de séries e produções nipônicas, ele atualmente faz a voz de Ichigo Kurosaki, personagem principal da série Bleach.
- Akira está cotado para ganhar um filme com atores em 2009. A produção, americana, está a cargo de Leonardo DiCaprio, Andrew Lazar e Jennifer Davison como produtores, em um roteiro que está sendo escrito por Gary Whitta. Até o momento, tudo indica que DiCaprio deverá fazer o papel de Kaneda, nenhum outro ator do elenco foi definido exatamente ainda.
- Em 1988, a Taito Corporation lançou o primeiro game de Akira para o console Famicom. Uma versão para o Super Famicom chegou a ser desenvolvida, mas o projeto foi cancelado, e esta versão nunca foi lançada. A International Computer Entertainment chegou a produzir um video game baseado em Akira para as plataformas Amiga e Amiga CD32 no ano de 1994. E, em 2002, para aproveitar o lançamento do filme em DVD, a Bandai lançou o game Akira Psycho Ball, um simulador de pinball para o console PlayStation 2.
- Em uma afirmação polêmica, Katsuhiro Otomo diz que o “fim” de Akira, visto tanto em mangá quanto em animação, não é o verdadeiro fim da história, alegando que nunca chegou a concluir a saga de fato. Então, o que ainda poderia acontecer? Talvez nunca se saiba...
- O Soundtrack de Akira foi lançado pela Demon Records em 1990, contendo 10 faixas em aproximadamente 70 minutos de música. Foi produzido por Shoji Yamashiro. Posteriormente, foi lançado um segundo Soundtrack, com apenas 4 faixas, que seriam apenas gravações copiadas diretamente do som das cenas do longa-metragem.
- Nos Estados Unidos, Akira deve ganhar ainda este ano uma versão em disco Blue-Ray. O lançamento estava programado para o ano passado, mas foi adiado para este ano, ainda sem data definida.
- Para bancar a produção do longa da obra de Katsuhiro Otomo, foi criado o “Comitê Akira”, nome pelo qual ficou conhecida a união de diversas empresas que se uniram para suportarem os custos da produção, considerados estratosféricos na época. Ele era formado pela editora Kodansha; a MBS (Mainichi Broadcasting System); a Bandai Company.; Hakuhodo Incorporated; a distribuidora Toho Company; Laserdisc Corporation; Sumitomo Corporation; além do próprio estúdio de produção do longa, a Tokyo Movie Shinsha.
Comentários, sugestões:
(*) é colaborador autônomo de jornais e revistas especializadas na área de quadrinhos, animação e afins.