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ENTREVISTA - FLÁVIO LUIZ, 42: NERD DE CORAÇÃO, CARTUNISTA E QUADRINHISTA PROFISSIONAL

Por Chico Castro Jr

Eu não sabia onde estava me metendo quando resolvi entrevistar Flávio Luiz. Conheci-o quando trabalhei - por um breve período - no jornal Correio da Bahia, onde ele trabalha até hoje, apesar de estar de licença médica há alguns meses devido a uma inconveniente LER (Lesão por Esforço Repetitivo).

Retomei o contato só recentemente, quando soube que, finalmente, ia lançar o número 2 de sua revista Jayne Mastodonte, com uma festa na Companhia da Pizza (que tem vários dos jogos americanos e postais assinados por ele). Daí para entrevista-lo para o Rock Loco e para o site Pop Balões, foi um pulo.

Profissional premiado, respeitado no meio quadrinhístico e requisitado por grandes empresas do sul do país para ilustrações que decoram desde latas de cerveja até capas de CD (ele está criando a arte do próximo CD da banda carioca Dibob) e aos poucos sendo descoberto no exterior, Flávio ainda se queixa de ser pouco reconhecido na sua terra natal. Será que ele está errado?

Enquanto eu ia redigindo a entrevista, Flávio me ligou para contar aos pulos que sua graphic novel O Messias, criada em parceria com o roteirista e jornalista Gonçalo Júnior (A Guerra dos Gibis, entre outros livros), será publicada pela Opera Graphica.

Chico Castro Jr.: Começar do começo: qual foi sua primeira revista em quadrinhos, a que você lembra assim de ter mãos, lido, pirado e dito: "é isso aqui que eu quero fazer na minha vida"?

Flávio Luiz: Eu lembro da primeira revista em quadrinhos que eu tive em mãos, mas a revista que eu pirei e disse "é isso que eu quero fazer na minha vida" foi anos depois. Então são duas. A primeira foi em 1969, meu irmão indo comprar um acarajé, me veio com uma revista do Príncipe Namor, uma aventura com os Inumanos na capa. Eu tenho essa revista, digo, mandei buscar nos Estados Unidos. Mas a primeira revista que me fez dizer “é isso” foi a X-Men (americana) número 111, desenhada por John Byrne, com roteiro de Chris Claremont, de 1978.

CCJ: Era os X-Men contra quem?

FL: Magneto. Digo, eles ainda não sabiam que era Magneto o vilão por trás da trama, era uma coisa deles no circo contra Mesmero, só que quem tava por trás era Magneto. Eu chorei copiosamente quando a Fênix morreu. Era X-Men maníaco desde menininho, mesmo. Enlouquecido. Daí comecei a querer fazer (quadrinhos), tal.

CCJ: E aí você começou a fazer cedinho, né? Ainda garoto.

FL: É, com 11, 12, na escola, um colega meu que já fazia e ele viu que eu desenhava cenas e super-heróis, veio e disse "vem cá por que a gente não faz histórias juntos?” E era na caneta Bic mesmo, pegava um caderno escolar, só fazia tirar a capa e aí passava tardes, dias mesmo, afundado ali. Estudava, lia coisas que para a minha idade eram cabeça demais. O pessoal ia pra rua, jogar vôlei, jogar bola, paquerar. Eu entrava na biblioteca e lia sobre o buraco negro, a explosão da supernova, essas coisas.

CCJ: Pra dar idéia para as historinhas?

FL: Pra acompanhar o raciocínio que sobrava, que eu acho que é uma máquina. Quando a gente lê sobre os caras que faziam gibi, é isso: eles viviam fissurados em ficção científica, os caras que faziam o Super Homem...

CCJ: Gardner Fox…

FL: É… NERD! Eu engano bem, mas eu sou nerd na alma, minha alma é nerd, certo? Eu tenho uma cara de bad boy, descarado, essas coisas, mas... NADA! Saca? Deixava de ir pras festas, as festas rolando, eu dizia "não, hoje tem Mulher Biônica" (seriado dos anos 70, spin off do Homem de Seis Milhões de Dólares, de Lee Majors).

CCJ: Mulher Biônica? (Risos)

FL: Eu era fã, apaixonado pela Mulher Biônica. Era um absurdo. Ficava sozinho, não saía, festa de aniversário, de parente? Era Homem Biônico, Mulher Biônica...

CCJ: Você viu o episódio que é um crossover, que eles se encontram, têm uma missão juntos?

FL: Isso, eles se casam, depois tem aquela coisa do filho... Lembro disso tudo. Tem uma coisa na Mulher Biônica. Ela era a cara de uma colega por quem eu era apaixonado, era a menina mais bonita da sala. Era aquela coisa (cantarola a música de Lulu Santos:) "a menina mais bonita, também era a mais rica", e eu deitado em casa escrevendo gibi, entendeu? (Risos) Meu negócio era desenhar, ler gibi e assistir desenho animado. E até que, hoje em dia, continua a mesma coisa.

CCJ: Influências. Quais são as principais no seu trabalho?

FL: Um pouquinho de tudo. Começou com a revista Mad, com o Gibi Semanal, que sempre tinha o Will Eisner. Aí já entrou a caricatura, a Ebal, com o Super Homem de Curt Swan, Capitão Marvel de C.C. Beck, Sargento Rock de Joe Kubert, mas principalmente, John Byrne, que era assim: "Deus no céu, John Byrne na Terra".

CCJ: É inacreditável o que aconteceu com ele e Chris Claremont, eles caíram muito, muito. Eu não consigo ler mais nada do Chris Claremont. Eu pulo as histórias dele numa revista.

FL: Confesso a você que eu não leio mais também, não. Hoje em dia eu só tô pincelando muita coisa, Kyle Baker, Alan Moore, Will Eisner (esse nunca deixou a peteca cair). Muita coisa antiga, tô retornando àquela coisa de ler o que eu lia com 14 anos e que hoje em dia eu posso comprar no original, sem ser naquele infame formatinho.

Comprava de tudo, mas se for fazer uma peneirada eu gosto de Batman e de outras coisas com um toque de humor, tipo Plastic Man (Homem Borracha no Brasil), do Capitão Marvel (Shazam), muito mais do que Super Homem. Quando ele começou a ficar muito certinho, cortei. Homem de Ferro, eu também gostava muito. Gostava de tudo, mas tinha essas predileções. Punho de Ferro, Raio Negro (Black Lightning, herói negro da DC) Eu gostava dos problemáticos, sofridos.

Outros artistas que foram influências foram Uderzo (criador de Asterix), Ibáñez, do Mortadelo & Salaminho – eu chorava de rir. Morris, por conta de Lucky Luke, que também era com Goscinny.

Quadrinho nacional eu gostava de Maurício de Souza, claro. Cebolinha comprava desde o número um. Gostava de Ziraldo, com o Pererê, mais até do que o Cebolinha. E gostava de Gabola, do Perotti.

CCJ: Era um macaco, né?

FL: Era um macaco, que tinha um maracá, que eu achava, assim, um sonho! (Risos) Tinha tudo, quando minha mãe jogou fora essa coleção, foi uma das minhas maiores perdas, entendeu? Depois da perda de meu pai, foi uma das maiores perdas da minha vida, sacou?

Mas voltando: tive algumas coisas da Chiclete com Banana. Comecei a comprar a Mad até numa idade precoce, com oito, nove anos, eu tava lendo a Mad, que era uma coisa mais adolescente. Aí depois, na época da Chiclete com Banana, eu já tava voltado mais pro lúdico, tava curtindo muito Asterix, e tal. Lia a Chiclete, gostava, mas não com o mesmo deslumbramento. Achava muita coisa gratuita, desnecessária, sem graça.

CCJ: Você já ganhou alguns prêmios, né? Inclusive fora do Brasil.

FL: Já. Outro dia eu tava fazendo um levantamento aí, consegui chegar a dezoito, dezenove. Rolou um que foi no Festival de Malmoe, na Suécia, em 2003. Ganhei uns dois Piracicabas (Salão de Humor de Piracicaba, o mais tradicional evento do gênero do Brasil): em 1994, (melhor) Cartum. Em 2000, (melhor) charge. Ganhei o HQ Mix em 2000, com o número um da Jayne Mastodonte. Ganhei em Foz do Iguaçu, que era um prêmio super disputado, tinha o tema sobre a água e fiquei em 4º. Ganhei aqui em Salvador alguns. Ainda em Piracicaba, teve um ano que fiquei em segundo lugar na categoria internet, que também não leva a nada, nem é mencionada, mas pela votação é medalha de prata na categoria internet. É... (pensativo). Volta Redonda, ganhei. Teve um salão universitário também em Piracicaba que ganhei menção honrosa. Teve uma hora que eu parei de contar menção honrosa, que toda hora vinha "ah, você ganhou menção honrosa em tal lugar". Aí a cabeça já não lembra mesmo. Exposição, desenho selecionado para o site da Diamond (Comics, poderosa distribuidora de revistas em quadrinhos americana, a maior da categoria nos EUA) por três vezes.

CCJ: Teve aquelas ilustrações do Escapista e do Assassino Amarelo, né?

FL: É. Teve um Marv também que eu mandei, abraçado com uma mulher assim, que eles botaram também. Então tem isso, é engraçado, eu sou mais conhecido fora daqui. Essas revistas que eu publico um colega meu levou para o Museu de Boca Raton (um dos mais completos museus dedicado aos quadrinhos no mundo). Uma vez me correspondi com o World in Pictures Museum, que é até do cara das Tartarugas Ninja, Kevin Eastman, ele selecionou meu site, pediu minhas revistas para incluir no acervo e eu, porra, mandava release pra todo canto aqui (em Salvador) e não tinha a ressonância que tinha através da internet.

CCJ: Essa pergunta é exatamente por isso aí, mesmo tendo ganhado esses prêmios, tendo uma produção bastante razoável não apenas em quadrinhos, mas também com muita ilustração pra jornal, empresas, até para a Brahma já rolou, você se sente respeitado como artista? No seu país, no seu estado, na sua cidade?

FL: Não! Não, aqui, não. O lugar onde eu sou menos respeitado é aqui! Agora, eu me faço respeitar. Nessa hora, é aquela coisa: por quê que eu não consegui "nada"? Por que eu não danço conforme a música. E a música é a música que o povo gosta.

CCJ: Hoje em dia isso é muito relativo, você pode trabalhar para os americanos daqui mesmo. Ed Benes (ilustrador paraense que trabalha para a DC Comics) mora em Belém e é publicado no mundo todo. Tem o (Mike) Deodato (desenhista exclusivo da Marvel), que até hoje mora em João Pessoa...

FL: Eu não tô mais tão triste, tão chateado com essa coisa de aqui não ser aceito, não ser reconhecido, de as pessoas ficarem sempre nessa de regatear meu preço. Raramente eu trabalho pra um cliente aqui. Teve um que quis um painel de seis metros por dois para um restaurante na Praia do Forte e aí disse: "ah, a gente deixa ele assinar". Sacou?

CCJ: Como assim, "a gente deixa" você assinar uma obra que é sua?

FL: É, eles me pagariam, permitindo que eu assinasse a obra, cheia de caricatura com gente aqui da terra, os "notáveis", né? Não tem aquela frase do Nizan, "baiano não nasce, estréia?” Aí eu respondo: "Mas nem toda estréia é casa cheia". Temos pessoas geniais, mas eu boto um certo senso crítico nisso. Que é aquela coisa, a gente pode ser genial para muita coisa, mas tem que ter humildade, ter humor, se levar menos a sério. O pessoal aqui se leva a sério demais, entendeu? Eu não me levo nada a sério. Me esculhambo e o pessoal diz "nossa você se detona na sua caricatura".


Como esses dois são bons de prosa esse ótimo papo de boteco continua aqui. E se você ficou curioso com o trabalho do Flávio e sedento para ter as suas cópias das ótimas Jaine Mastodonte, visite o site dele e encomende a sua.

 

 

 

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